quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O Dia do Torturado

O Dia do Torturado



Publicado no JB Online 
Conversa Afiada




por Mauro Santayana


A celebração católica do Corpo de Cristo não faz lembrar apenas a Última Ceia e o rito de fé da Eucaristia. Recorda, à margem da liturgia, os açoites, o corpo agonizante de Cristo preso à cruz e os insultos dos soldados romanos, ao feri-lo com a lança, avinagrar os lábios sedentos e a disputar, nos dados, a túnica do morto. A prisão, o açoitamento, a coroação de espinhos, a escalada do Calvário, são atos continuados de tortura, infligida a um prisioneiro político do Império Romano e, além disso, acusado de heresia diante da religião vigente na Palestina. Não faria mal à Igreja se viesse a considerar esse dia de ofício religioso também como o Dia do Torturado.

Não é provável que ela vá tão longe, quando há, em sua História, atos semelhantes de ignomínia, na Inquisição Espanhola e nos tribunais do Vaticano, que condenaram, entre outros, o grande pensador Giordano Bruno à fogueira. Mas nada impede aos verdadeiros cristãos lembrar, na mesma data, os que foram assassinados, sob tortura, no mundo inteiro, por suas idéias e seus atos. Embora a mensagem cristã recomende o perdão, a condição humana recomenda a resistência política e o desprezo contra os torturadores.

Assumir o corpo de Cristo, no ato da Eucaristia, é assumi-Lo em sua grandeza maior, na escolha que Ele faz, de absorver, na carne e na alma, a Humanidade sofredora de seu tempo e, no mistério da Fé, a Humanidade de todos os séculos. É, na visão teológica, a contrapartida simbólica da entrega de Cristo ao martírio. Os que são torturados, humilhados e mortos nas masmorras, na defesa de seu verdadeiro evangelho, vivem, em sua agonia, a plena e absoluta Eucaristia.

O mundo de nosso tempo não é muito diferente daquele de que falam os evangelistas. Havia ali a presença de um império mundial, com seus interesses. Havia ali um governo títere, imposto pelos romanos, e delegados do dominador, como o representante do Consulado, com seu pró-cônsul, ou seja, um governador da potência colonizadora. Hoje, as coisas são um pouco diferentes. Como estamos vendo, na divulgação de documentos norte-americanos, em nosso tempo o pró-consulado é exercido pelos embaixadores, com a assessoria ativa de seus adidos militares.

Na cumplicidade com os interesses imperiais, há a permanente guerra interna dos poderosos contra os débeis. Nas delegacias policiais e presídios, longe de testemunhas, homens e mulheres continuam a ser torturados por agentes do Estado. Acusados de delitos comuns, não têm os que podem denunciar o seu sofrimento, nem lhes prestar a mínima solidariedade. Raramente os fatos chegam ao conhecimento do Ministério Público. E nem se fale das execuções sumárias, registradas oficialmente como legítimo exercício da força policial contra a resistência “armada” dos suspeitos.

O Dia do Torturado deve ser o da Memória, com a localização dos mortos e o sepultamento digno, sob a cruz e com as lágrimas dos enlutados – como foi o de Jesus, entregue aos seus familiares. A memória nos servirá para evitar a volta do carrossel diabólico e fortalecer a esperança de que não haja mais o sofrimento dos torturados. O seu martírio não pede vingança, mas a vigilância contra os golpistas de sempre e pela construção da paz. 


Leia Mais em: http://www.genizahvirtual.com/2013/08/o-dia-do-torturado.html#ixzz2ceyaFhCL
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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Saneamento e Santidade: missão e eclesia

Muito se fala de santidade e santificação nos cultos das igrejas evangélicas. O apóstolo Paulo nos avisa que devemos desenvolver nossa salvação (Fp 3.12). Gostaria de propor uma reflexão em relação a santificação relacionada ao ambiente em que vivemos como forma de desenvolvimento da salvação. 

Usando o livro de Deuteronômio como referência bíblica, 
quando Deus orientou o povo no deserto, ensinou a ter um procedimento de cuidado em relação a diversas questões da vida cotidiana. Também a mesma lei de uma forma geral em seu conjunto de princípios, orientações e diretrizes, visava a construção de uma sociedade cuja vida fosse justa e o impacto disso gerasse um nível de relacionamento pacífico e alegre. Ora, uma das necessidades básicas para que uma sociedade se desenvolva é a manutenção da saúde. E um requisito para que haja promoção da saúde é o saneamento. 

Saneamento básico  inclui ações de abastecimento de água, esgotamento sanitário, melhorias sanitárias domiciliares, manejo de resíduos, prevenção a enchentes e desastres e epidemias, além de educação. 

Um dos preceitos que aparece interessantemente no Deuteronômio é o cuidado das fezes. Quando entendemos que o contexto retrata o povo vivendo aos milhares em acampamento, em proximidade de tendas, no deserto, compreendemos a relevância de imediato. 
Diz o texto:
"Também terás um lugar fora do arraial, para onde sairás. E entre as tuas armas terás uma pá; e será que, quando estiveres assentado, fora, então com ela cavarás e, virando-te, cobrirás o que defecaste. Porquanto o Senhor teu Deus anda no meio de teu arraial, para te livrar, e entregar a ti os teus inimigos; pelo que o teu arraial será santo, para que ele não veja coisa impura em ti, e se aparte de ti".
(Deuteronômio 23:12-14)

Apesar de geralmente entendermos essa relação direta entre demografia e saúde dentro dessa citação acima tal preceito nos chama atenção imediatamente por citar abertamente e oportunamente a expressão "santo", a qual vem de "santidade", junto a um preceito ambiental. Mas por que? O que tem a ver santidade com saneamento?

Uma leitura superficial nos leva a pensar que o Deus não andaria no meio do povo com fezes espalhadas em qualquer canto como se isso fosse um fator de rejeição a algo natural, rejeição a materialidade do ser humano, ao aspecto físico da vida e sua condição biológica. Temos que entender que o sentido de fezes como algo indesejável quem dá somos nós humanos. Um subproduto do próprio organismo criado por Deus como sendo nojento é uma visão nossa, não de Deus. Na realidade não se trata de vaidade divina como se essa "sujeira" fosse em si mesma prejudicar Deus como se Deus fosse afetado e prejudicado. Na realidade é o contrário. Deus entende que somos matéria e geramos resíduos naturais tal como qualquer organismo que ele criou. No entanto, Deus propõe ação de cuidado protetivo e preventivo em relação ao ser humano. Deus sabe que o ser humano enquanto ser ecológico em sua interatividade com o ambiente estará gradualmente perdendo condições de espaço de vida por conta de competição com outros organismos que se multiplicam em meio de decomposição e na proximidade com algo que pode contaminar o povo através de uma doença isso gera depreciação, dificuldades de lutar (daí a referência a palavra "inimigo" no texto), de se manter, prejuízos sociais e econômicos. Deus não quer pessoas excluídas, nem prejudicadas, por isso Deus detesta o descaso dos governos em relação ao saneamento, já que a ausência deste gera um ciclo vicioso de pobreza econômica, social e ambiental, deterioração da saúde, violência e morte. Assim sendo é injustiça e fora da sustentabilidade do Reino do céu. A “corporeidade” dos humanos é plenamente reconhecida por Deus e Ele faz o homem reconhecer a si próprio em sua "corporeidade", mas busca-se o modo mais sábio de conviver com ela e com o ambiente. É óbvio que as condições ensinadas no texto do Deuteronômio são temporais, ou seja, até então naquele contexto sociogeográfico. Tal prática evolui na proporção dos avanços tecnológicos sociais gerando o ideal em relação a interação com o ambiente. É também a devolução (o virar-se) da matéria da natureza adiquirida e transformada pelo ser humano e agora devolvida a natureza de forma a ser ainda aproveitada nos processos de reciclagem natural, ou seja, a conversão da matéria (de orgânico para inorgânico novamente). Hoje em dia existem tecnologias sociais como o Biodigestor, que pode gerar energia a partir de resíduos orgânicos.

De uma forma geral Santidade significa condição de vida que segue os princípios perfeitos do criador. Significa tornar durável: consagrar. Empregar, destinar, promover seu tempo. Tal termo pode ser atribuido a pessoas, objetos, tempos, ou lugares que tem caráter inviolável, respeitável, purificador. Já saneamento é sanear, ou significa tornar são, remediar, sanar, sendo assim, Santidade e Saneamento se perpassam.
Na realidade por ser santo Deus quer um povo sanado, são, saudável, porque Deus é bom.

Logo, também, é dever da igreja e dos cristãos assumir que nossa relação com o ambiente é um fator de santidade. Lutar por melhorias em seus bairros e comunidades, ensinando, praticando, propondo, mobilizando, protestando conforme cada caso. 

Somos povo herdeiro de um Deus que fez água sair da rocha, que abasteceu seu povo, que ensinou a cuidar das casas, a amar nossos pares por meio de atitudes intrínseca e extrínsecas de cuidado sob diversas formas de expressão e em todos os níveis e realidades de vida, individual, social, mental, econômico e ambiental, e que ao conjunto disso tudo podemos chamar de relações ecológicas ou mais propriamente sustentabilidade. Quando Jesus diz que veio dar vida em abundância se refere justamente a promoção de um ser pleno e integral. 
Somos herança de santidade, fomos sanados na cruz do cordeiro imaculado, nossas máculas foram perdoadas, de forma que não podemos nos permitir a iniquidade. Tal palavra ("iniquidade") aparece na Bíblia várias vezes e significa "injustiça". Falta de saneamento é injustiça. Não atoa a própria literatura médica e científica chama os problemas de saúde de iniquidades. Sim, falta de saneamento é pecado. Falta de água em boas condições, falta de esgoto com tratamento, falta de limpeza e de gerenciamento de lixo é  falta de cuidado, assim sendo é falta de amor. O reino de Deus vivo é justiça, paz e alegria plena que se expressa em todos os cantos e expressões do nosso ser, e gera e desenvolve tais sentidos na sociedade. Assim sendo devemos cuidar da nossa casa e do bairro em termos de limpeza enquanto indivíduos e enquanto coletividade, e enquanto governo. Lembrando particularmente que nós cristãos nos atribuimos uns aos outros como Corpo. A responsabilidade pela saúde desse corpo é de todos, tendo Cristo como cabeça, como Mestre da boa e agradável relação (vontade). Somos um povo comunitário porque igreja é comunidade, por isso o bem de um deve ser para todos, e a ausência de algo necessário para um deve ser suprida por todos. Se a rua ou o bairro estão sujos proponha um mutirão em sua igreja e saiam na rua para limpar. Expresse a glória de Deus. Não importa a hora (mesmo que seja na hora do culto litúrgico, pois o culto a Deus se faz em qualquer lugar e em qualquer hora. Nossa maneira de viver é um culto a Deus e nós somos expressão desse culto. Como disse Jesus àquela mulher samaritana que estava se abastecendo de água do poço e necessitava de água viva, que no significado da bíblia era aquela água boa, e Jesus a explica e diz ser ele a água potável (viva) e bem tratada e clareia dizendo que "Vem a hora e esta é a hora em que os verdadeiros adoradores adorarão a Deus em espírito e em verdade", (independente do tempo e do espaço, independente de templo, de igreja, e do que fazer)... Jo 4.23
Amém!

Paz de Cristo,

Jorge Tonnera Jr
Coletivo Igrejas Ecocidadãs RJ
Biólogo, especialista em gestão ambiental e trabalha como educador ambiental na Companhia de Limpeza Urbana do Rio de JAneiro-COMLURB

domingo, 4 de agosto de 2013

Evangelho das Vadias: Cadê o Amarildo? - Nancy Cardoso Pereira

Evangelho das Vadias: Cadê o Amarildo? - Nancy Cardoso Pereira
Quarta-feira, 31 de julho de 2013 - 17h02min


Eu sou daquela religião que espera pelo corpo com o corpo: ressuscitado! A espera se move pela paixão por tudo que é humano... tanta e toda capaz de enfrentar a morte: a cruz.

Aborreço os senhores - horrorizai-vos - que querem travestir a fé de Jesus numa expressão obediente de louvores estéreis: não louvo pra que a "som livre" toque - deslouvado seja! Nem me deixo convencer pelo balbucio do senso comum da bondade: eu quero mais! Bem aventuradas as desobedientes porque elas quebram os espelhos de quem manipula deuses, ofertas & santidade.

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Minha religião é aquela entre outras de Jesus que goza com o corpo vivo, morre com o corpo solidário de paixão e ressuscita na espera ativa das mulheres que não admitem que a morte diga a última palavra: nem não!

Não esperamos que nos deixem subir no altar, galgar posições e traficar influência como padres, pastores, profetas, ministros, bispos, arcebispos, cardeais, vigários & teólogos a granel. Esperamos a ressurreição do corpo com a menina dos olhos ardidas de desejo, gás de pimenta e sono.

Nossa tradição religiosa vem das mulheres que ressuscitaram Jesus com sua espera audaciosa e persistente: "onde colocaram o corpo de quem eu amo?" - elas perguntavam com o zelo de quem cultiva um orgasmo, arrisca um jardim, desenha um doce, faz o salário chegar no fim do mês, apoia a amiga que vai abortar, organiza uma greve, alimenta a fome com a vontade de comer e lava as roupas ciente de que o que suja o mundo é o medo, a desigualdade e a opressão.

Onde colocaram o corpo de quem eu amo? - diz Madalena.

                   "Porque levaram embora o corpo do meu Senhor, 

                   e não sei onde O colocaram." (Evangelho de João 20,13)

Repetiam o gesto antigo de amante e mãe, companheira e irmã que insiste em saber:

               " me digam onde colocaram o corpo e eu cuidarei dele..."

               (Evangelho de João 20,15)

Reivindicam o corpo porque denunciam as muitas mortes e já não aceitam um deus que exige sacrifício, que justifica a injustiça ou atenua o desespero. Elas perguntam pelo corpo do homem morto e se atrevem com perfumes, os seios a mostra e panos, bandeiras e cartazes que desnudam toda pretensão das virtuosas.

Herdamos o gesto des-esperado de Rispa que teve dois filhos mortos pela disputa pelo poder nos tempos do rei Davi... que uma história assim não se esquece! Aquele-no-governo disputava o poder na ponta da espada, na lógica do medo e traição e entregou para mercenários os 2 filhos de Rispa e outros 5 filhos de outra mulher. Os sete enforcados em praça pública, expostos como ação de polícia pacificadora... mas ninguém se atrevia a baixar os corpos, a assumir a morte, a dizer o que aconteceu.

E a mulher antes de todas nós foi lá e fez:

           Então Rispa, filha de Aiá, tomou um pano de cilício, e estendeu-lho sobre uma

           penha, desde o princípio da sega até que a água do céu caiu sobre eles;

           e não deixou as aves do céu pousar sobre eles de dia, nem os animais

          do campo de noite. (2 Samuel 21,10)

E ela perguntava pelos corpos dos filhos, pelos filhos da outra: sem cansar, sem desistir: onde está o responsável? quem tinha o poder de deixar que tirassem a vida do corpo desses meninos: que assuma! Que venha a público! Que se assuma a responsabilidade! E assim ela fez dias e dias, semanas e meses... até que o grande poderoso, violento e dissimulado rei Davi assumisse o crime: não foi ele... mas foi a política dele! Criminoso!

              e depois disto deus fez paz com a terra... (2 Samuel 21,14)

Minha religião é essa, essa minha tradição, as apóstolas do direito, as herdeiras da coragem que move a esperança. Nós também queremos saber: Onde está o Amarildo da Rocinha? O que fizeram com ele? Quem fez? Quem vai assumir a responsabilidade? E nesse domingo e todos os outros necessários repetiremos o gesto amoroso de perguntar pelo corpo d@s filh@s do povo e todas as igrejas e comunidades que se comprometem com o evangelho de Jesus vão entoar o único cântico que deus acolhe:

               aonde está o teu irmão? aonde está tua irmã? (Gênesis 4)

http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=5&noticiaId=4189

"Quando o despertador toca levanta quem quer e tem juízo!"

Quem tem ouvidos ouça; quem lê entenda!!!





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