sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Saneamento e Santidade: missão e eclesia

Muito se fala de santidade e santificação nos cultos das igrejas evangélicas. O apóstolo Paulo nos avisa que devemos desenvolver nossa salvação (Fp 3.12). Gostaria de propor uma reflexão em relação a santificação relacionada ao ambiente em que vivemos como forma de desenvolvimento da salvação. 

Usando o livro de Deuteronômio como referência bíblica, 
quando Deus orientou o povo no deserto, ensinou a ter um procedimento de cuidado em relação a diversas questões da vida cotidiana. Também a mesma lei de uma forma geral em seu conjunto de princípios, orientações e diretrizes, visava a construção de uma sociedade cuja vida fosse justa e o impacto disso gerasse um nível de relacionamento pacífico e alegre. Ora, uma das necessidades básicas para que uma sociedade se desenvolva é a manutenção da saúde. E um requisito para que haja promoção da saúde é o saneamento. 

Saneamento básico  inclui ações de abastecimento de água, esgotamento sanitário, melhorias sanitárias domiciliares, manejo de resíduos, prevenção a enchentes e desastres e epidemias, além de educação. 

Um dos preceitos que aparece interessantemente no Deuteronômio é o cuidado das fezes. Quando entendemos que o contexto retrata o povo vivendo aos milhares em acampamento, em proximidade de tendas, no deserto, compreendemos a relevância de imediato. 
Diz o texto:
"Também terás um lugar fora do arraial, para onde sairás. E entre as tuas armas terás uma pá; e será que, quando estiveres assentado, fora, então com ela cavarás e, virando-te, cobrirás o que defecaste. Porquanto o Senhor teu Deus anda no meio de teu arraial, para te livrar, e entregar a ti os teus inimigos; pelo que o teu arraial será santo, para que ele não veja coisa impura em ti, e se aparte de ti".
(Deuteronômio 23:12-14)

Apesar de geralmente entendermos essa relação direta entre demografia e saúde dentro dessa citação acima tal preceito nos chama atenção imediatamente por citar abertamente e oportunamente a expressão "santo", a qual vem de "santidade", junto a um preceito ambiental. Mas por que? O que tem a ver santidade com saneamento?

Uma leitura superficial nos leva a pensar que o Deus não andaria no meio do povo com fezes espalhadas em qualquer canto como se isso fosse um fator de rejeição a algo natural, rejeição a materialidade do ser humano, ao aspecto físico da vida e sua condição biológica. Temos que entender que o sentido de fezes como algo indesejável quem dá somos nós humanos. Um subproduto do próprio organismo criado por Deus como sendo nojento é uma visão nossa, não de Deus. Na realidade não se trata de vaidade divina como se essa "sujeira" fosse em si mesma prejudicar Deus como se Deus fosse afetado e prejudicado. Na realidade é o contrário. Deus entende que somos matéria e geramos resíduos naturais tal como qualquer organismo que ele criou. No entanto, Deus propõe ação de cuidado protetivo e preventivo em relação ao ser humano. Deus sabe que o ser humano enquanto ser ecológico em sua interatividade com o ambiente estará gradualmente perdendo condições de espaço de vida por conta de competição com outros organismos que se multiplicam em meio de decomposição e na proximidade com algo que pode contaminar o povo através de uma doença isso gera depreciação, dificuldades de lutar (daí a referência a palavra "inimigo" no texto), de se manter, prejuízos sociais e econômicos. Deus não quer pessoas excluídas, nem prejudicadas, por isso Deus detesta o descaso dos governos em relação ao saneamento, já que a ausência deste gera um ciclo vicioso de pobreza econômica, social e ambiental, deterioração da saúde, violência e morte. Assim sendo é injustiça e fora da sustentabilidade do Reino do céu. A “corporeidade” dos humanos é plenamente reconhecida por Deus e Ele faz o homem reconhecer a si próprio em sua "corporeidade", mas busca-se o modo mais sábio de conviver com ela e com o ambiente. É óbvio que as condições ensinadas no texto do Deuteronômio são temporais, ou seja, até então naquele contexto sociogeográfico. Tal prática evolui na proporção dos avanços tecnológicos sociais gerando o ideal em relação a interação com o ambiente. É também a devolução (o virar-se) da matéria da natureza adiquirida e transformada pelo ser humano e agora devolvida a natureza de forma a ser ainda aproveitada nos processos de reciclagem natural, ou seja, a conversão da matéria (de orgânico para inorgânico novamente). Hoje em dia existem tecnologias sociais como o Biodigestor, que pode gerar energia a partir de resíduos orgânicos.

De uma forma geral Santidade significa condição de vida que segue os princípios perfeitos do criador. Significa tornar durável: consagrar. Empregar, destinar, promover seu tempo. Tal termo pode ser atribuido a pessoas, objetos, tempos, ou lugares que tem caráter inviolável, respeitável, purificador. Já saneamento é sanear, ou significa tornar são, remediar, sanar, sendo assim, Santidade e Saneamento se perpassam.
Na realidade por ser santo Deus quer um povo sanado, são, saudável, porque Deus é bom.

Logo, também, é dever da igreja e dos cristãos assumir que nossa relação com o ambiente é um fator de santidade. Lutar por melhorias em seus bairros e comunidades, ensinando, praticando, propondo, mobilizando, protestando conforme cada caso. 

Somos povo herdeiro de um Deus que fez água sair da rocha, que abasteceu seu povo, que ensinou a cuidar das casas, a amar nossos pares por meio de atitudes intrínseca e extrínsecas de cuidado sob diversas formas de expressão e em todos os níveis e realidades de vida, individual, social, mental, econômico e ambiental, e que ao conjunto disso tudo podemos chamar de relações ecológicas ou mais propriamente sustentabilidade. Quando Jesus diz que veio dar vida em abundância se refere justamente a promoção de um ser pleno e integral. 
Somos herança de santidade, fomos sanados na cruz do cordeiro imaculado, nossas máculas foram perdoadas, de forma que não podemos nos permitir a iniquidade. Tal palavra ("iniquidade") aparece na Bíblia várias vezes e significa "injustiça". Falta de saneamento é injustiça. Não atoa a própria literatura médica e científica chama os problemas de saúde de iniquidades. Sim, falta de saneamento é pecado. Falta de água em boas condições, falta de esgoto com tratamento, falta de limpeza e de gerenciamento de lixo é  falta de cuidado, assim sendo é falta de amor. O reino de Deus vivo é justiça, paz e alegria plena que se expressa em todos os cantos e expressões do nosso ser, e gera e desenvolve tais sentidos na sociedade. Assim sendo devemos cuidar da nossa casa e do bairro em termos de limpeza enquanto indivíduos e enquanto coletividade, e enquanto governo. Lembrando particularmente que nós cristãos nos atribuimos uns aos outros como Corpo. A responsabilidade pela saúde desse corpo é de todos, tendo Cristo como cabeça, como Mestre da boa e agradável relação (vontade). Somos um povo comunitário porque igreja é comunidade, por isso o bem de um deve ser para todos, e a ausência de algo necessário para um deve ser suprida por todos. Se a rua ou o bairro estão sujos proponha um mutirão em sua igreja e saiam na rua para limpar. Expresse a glória de Deus. Não importa a hora (mesmo que seja na hora do culto litúrgico, pois o culto a Deus se faz em qualquer lugar e em qualquer hora. Nossa maneira de viver é um culto a Deus e nós somos expressão desse culto. Como disse Jesus àquela mulher samaritana que estava se abastecendo de água do poço e necessitava de água viva, que no significado da bíblia era aquela água boa, e Jesus a explica e diz ser ele a água potável (viva) e bem tratada e clareia dizendo que "Vem a hora e esta é a hora em que os verdadeiros adoradores adorarão a Deus em espírito e em verdade", (independente do tempo e do espaço, independente de templo, de igreja, e do que fazer)... Jo 4.23
Amém!

Paz de Cristo,

Jorge Tonnera Jr
Coletivo Igrejas Ecocidadãs RJ
Biólogo, especialista em gestão ambiental e trabalha como educador ambiental na Companhia de Limpeza Urbana do Rio de JAneiro-COMLURB

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